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REFUGIADOS AMBIENTAIS, O DESAFIO DO SÉCULO 21

12/06/2010 00:27

 

Diversos países insulares e costeiros poderão desaparecer completamente em razão da elevação anormal do nível do mar. “A situação é bastante complexa, especialmente nos países insulares, porque poderá haver a perda total do território e, conseqüentemente, terá de ser feita a retirada de toda população para outros países e o reassentamento dessas pessoas”, na opinião da especialista Érika Pires Ramos.

 

Érika Pires Ramos é procuradora federal do IBAMA/ICMbio e passou a se interessar pelo tema dos refugiados ambientais em 2005, quando conheceu a Fundação LISER - Living Space for Environmental Refugees criada na Holanda em 2002. Inclusive, ela em 2007 se tornou a primeira visitante internacional da fundação.

 

Para ela, “a migração internacional induzida por fatores ambientais também é uma realidade cada vez mais freqüente”. Ressalta, que nesses casos, “não há instrumentos e políticas globais que garantam direitos aos refugiados ambientais”.

 

Formada em Direito pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), onde também fez seu mestrado. Atualmente, ela realiza seu doutorado na USP (Universidade de São Paulo) para pesquisar as questões jurídicas que envolvem o tema dos refugiados ambientais. Ela também coordena a publicação da Revista Direito e Ambiente, da MP Editora

 

Em entrevista exclusiva ao Observatório Eco, Érika Pires Ramos aponta que a ONU (Organização das Nações Unidas) resiste em ampliar o conceito de refugiado e englobar os refugiados ambientais, pelo fato de não reconhecer “os fatores ambientais como motivação por si só para a concessão do status de refugiado”. Ela ressalta que “não há direitos formalmente garantidos para essa nova categoria de pessoas, que ainda não é reconhecida pelo direito internacional”.

 

A especialista alerta que “esta lacuna jurídica no tocante reconhecimento dos refugiados ambientais favorece a imigração ilegal, o tráfico internacional de pessoas e o aliciamento para atividades criminosas”. Veja a entrevista exclusiva que Érika Pires Ramos concedeu ao Observatório Eco.

 

 

 

Observatório Eco: Ao longo da história da humanidade sempre existiu a figura do refugiado ambiental? Cite exemplos.

 

Érika Pires Ramos: Certamente o fenômeno não é novo. Há inclusive relatos bíblicos que noticiam a fuga em razão de calamidades devastadoras.  Assim como a mudança climática, inúmeras calamidades naturais ocorreram ao longo da história, forçando o deslocamento de indivíduos e grupos para locais mais seguros, visando à própria sobrevivência. 

 

No entanto, foram os eventos ambientais mais recentes que despertaram a atenção da comunidade internacional e da mídia em torno da temática dos refugiados ambientais. Podemos citar como exemplos: o tsunami na Indonésia (2004), o furacão Katrina nos Estados Unidos (2005), o ciclone Nargis em Mianmar (2008) e os terremotos no Haiti, Chile e China (2010).

 

Observatório Eco: Na área urbana, existe a dúvida, a pessoa que construiu a sua morada em local inadequado, e perdeu a casa em razão de uma enchente, ela se enquadra na figura do refugiado?

 

Érika Pires Ramos: Há uma grande discussão entre os especialistas no tema sobre a nomenclatura mais adequada para descrever esta categoria de pessoas que são forçadas a sair de seus lares em razão de eventos ambientais extremos: migrantes ambientais, deslocados ambientais, refugiados ambientais, eco-refugiados, refugiados climáticos.

 

Pessoalmente, acho o termo “refugiado ambiental” mais forte e mais simbólico, apesar de, tradicionalmente, o termo refugiado referir-se apenas às situações de deslocamento forçado externo (de um país para outro) em razão de perseguição por questões de raça, religião, nacionalidade, associação a grupo social e opinião política.

 

Um dos efeitos do aquecimento global, por exemplo, é a alteração do regime de chuvas, provocando enchentes cada vez mais freqüentes em locais de precipitação reduzida e secas prolongadas em regiões com alto índice pluviométrico.

 

Observatório Eco: Da mesma forma, no campo, por exemplo, quando há a construção de uma barragem, e determinada área é inundada, a pessoa perde a sua casa, é uma situação de refugiado ambiental?

 

Érika Pires Ramos: Neste caso entendo que não, pois não se está diante de um desastre ambiental ou de calamidade natural (fato imprevisto ou imprevisível) ou de um fenômeno ambiental extremo e sim de uma atividade planejada, que deve passar por um processo amplo de discussão com as populações interessadas e atingidas pelo empreendimento.

 

O rompimento acidental de uma barragem, aí sim, seria uma situação geradora de fluxos de refugiados ambientais.

 

Observatório Eco: O que fazer com as pessoas que têm que sair muitas vezes dos seus países, em razão de desastres ambientais?

 

Érika Pires Ramos: Muitos países não possuem sistemas de emergências ou alertas ambientais, nem condições de prestar assistência à população afetada, dependendo da assistência material vinda de organizações humanitárias, das agências das Nações Unidas e de doações vindas de outros países.

 

Embora a maioria dos deslocamentos ocorra internamente (para outras regiões não afetadas ou menos afetadas dentro do próprio país), a migração internacional induzida por fatores ambientais também é uma realidade cada vez mais freqüente. A assistência, nesses casos, não é prestada em caráter formal, uma vez que não há instrumentos e políticas globais que garantam direitos aos “refugiados ambientais”.

 

Observatório Eco: Inclusive, na África, em razão da seca dos rios existe muito essa questão do refugiado ambiental, que peregrina por vários países em busca de alimento e de morada, como essa situação é tratada lá?

 

Érika Pires Ramos: A ONU aponta a tendência, inclusive, a um retrocesso nos avanços obtidos na redução da pobreza e na segurança alimentar na África, justamente em razão das mudanças climáticas. A seca e a desertificação são dois problemas ambientais críticos do continente africano, juntamente com o desmatamento e exploração inadequada das terras, que podem ocasionar a existência de territórios improdutivos e inabitáveis.  

 

A falta de capacidade de adaptação adequada dos países menos desenvolvidos, que são os mais vulneráveis, acaba potencializando os efeitos dos problemas ambientais já mencionados. 

 

A Convenção da Organização de Unidade Africana de 1969 (de alcance regional), atenta à dinâmica dos deslocamentos forçados no continente, flexibilizou o conceito de refugiado incluindo como causa para obtenção do status de refugiado “acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública numa parte ou na totalidade do seu país de origem ou do país de que tem nacionalidade”.

 

Observatório Eco: O seu trabalho de pesquisa se concentra na definição jurídica do refugiado ambiental, ou seja, não existe ainda um tratamento jurídico que garanta direitos para a pessoa que está nesta situação?

 

Érika Pires Ramos: Não. Atualmente, o refugiado ambiental não está contemplado em normas internacionais, ou seja, não é reconhecido ou tutelado juridicamente no plano internacional.

 

 

Observatório Eco: Dessa forma, como podemos definir a figura do refugiado ambiental? Quais os direitos dessa pessoa?

 

Érika Pires Ramos: Há uma série de definições técnicas sugeridas por especialistas, mas ainda não há uma definição legal. A mais conhecida foi proposta por Essam El-Hinnawi em 1985, que atuava na época para o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente): “refugiados ambientais são definidos como aquelas pessoas forçadas a deixar seu habitat natural, temporária ou permanentemente, por causa de uma marcante perturbação ambiental (natural e/ou desencadeada pela ação humana) que colocou em risco sua existência e/ou seriamente afetou sua qualidade de vida. Por “perturbação ambiental”, nessa definição, entendemos quaisquer mudanças físicas, químicas, e/ou biológicas no ecossistema (ou na base de recursos), que o tornem, temporária ou permanentemente, impróprio para sustentar a vida humana.”

 

Como ressaltei, não há direitos formalmente garantidos para essa nova categoria de pessoas, que ainda não é reconhecida pelo direito internacional.

 

Observatório Eco: De que maneira a ONU trata essa questão? Quais os riscos que essas pessoas encontram pela ausência de proteção jurídica?

 

Érika Pires Ramos: A ONU reconhece a gravidade do problema, mas há uma clara resistência à ampliação do regime internacional convencional existente aos refugiados ambientais, pois não reconhece os fatores ambientais como motivação por si só para a concessão do status de refugiado. 

 

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) reconhece que há grupos de migrantes fora do âmbito de proteção internacional que necessitam de ajuda humanitária e outras formas de assistência, mas que não justificaria uma revisão do Estatuto dos Refugiados de 1951. Esta lacuna jurídica no tocante reconhecimento dos refugiados ambientais favorece a imigração ilegal, o tráfico internacional de pessoas e o aliciamento para atividades criminosas.

 

Observatório Eco: Qual seria a melhor forma de tutelar internacionalmente o direito dessas pessoas refugiadas?

 

Érika Pires Ramos: A elaboração de uma convenção internacional específica, que institua formalmente uma nova categoria de refugiados, assegurando direitos a essas pessoas e grupos e responsabilidades aos Estados, bem como regulamente a questão dentro de uma perspectiva integrada, que envolva as múltiplas dimensões que envolvem a questão, dentre as quais citamos como exemplos: a dimensão ambiental (prevenção, mitigação e adaptação aos fenômenos ambientais extremos), humanitária (assistência material e jurídica) e econômica (instrumentos para financiar as ações).

 

Observatório Eco: O caso mais emblemático de refugiados ambientais e de mudanças climáticas é o das ilhas Maldivas? O que esse caso nos ensina?

 

Érika Pires Ramos: O caso das Ilhas Maldivas tem chamado a atenção da comunidade internacional e da mídia para a urgência do tema da adaptação no debate sobre as mudanças climáticas. 

 

Mas há diversos países insulares e costeiros, na mesma condição, que poderão desaparecer completamente em razão da elevação anormal do nível do mar. A situação é bastante complexa, especialmente nos países insulares, porque poderá haver a perda total do território e, conseqüentemente, terá de ser feita evacuação de toda população para outros países e o reassentamento dessas pessoas.

 

Observatório Eco: O Brasil busca se preparar para os impactos das mudanças climáticas, tanto na cidade, como no campo e até no tocante à produção de alimentos? Qual a melhor forma de lidar com essa questão, ou seja, o binômio: mudança climática-sobrevivência?

 

Érika Pires Ramos: O Brasil tem sinalizado nesse sentido ao instituir a Política Nacional sobre Mudança do Clima (aprovada pela Lei nº 12.187/2009) e da criação do Fundo sobre Mudança do Clima (criado pela Lei nº 12.114/2009), que são instrumentos importantes para a mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. Mas é evidente que normas ainda precisarão sair do papel, convertendo-se em ações concretas. 

 

No entanto, é importante lembrar que a legislação brasileira ainda sofre de uma crise de efetividade.  Muitos dos impactos dos fenômenos ambientais recentes em vários Estados brasileiros, especialmente as enchentes, soterramentos e desabamentos poderiam ter sido evitados se houvesse o cumprimento das normas ambientais, impedindo-se as construções em áreas de risco e as intervenções nas áreas de preservação permanente, por exemplo.

 

Observatório Eco: Você avalia o problema das mudanças climáticas dentro de uma perspectiva catastrófica, ou não? Por quê?

 

Érika Pires Ramos: Os cenários apresentados pelos cientistas do IPCC, por exemplo, não são nada animadores. Mesmo com toda polêmica em torno da credibilidade dos dados científicos atualmente existentes, não se pode negar que os fenômenos ambientais extremos estão acontecendo e os seus efeitos devastadores sobre o ambiente e a comunidade global. 

 

Entendo que há um problema gravíssimo que depende de um esforço conjunto para ser solucionado. É evidente que a dificuldade em se atingir um consenso internacional sobre as metas e o financiamento das ações de combate aos efeitos das mudanças do clima expõe o planeta a ameaças cada vez maiores e a danos que podem ser irreversíveis. As iniciativas locais e regionais também são importantes dentro desse contexto e devem ser valorizadas. A inércia, essa sim, é catastrófica.

 

Para saber mais sobre a Fundação LISER - Living Space for Environmental Refugees

Revista Ambiente e Direito

Fonte: Observatório Eco

 Roseli Ribeiro

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G.A.R.R.A - GRUPO DE AÇÃO E RECUPERAÇÃO DOS RECURSOS AMBIENTAIS CUIABÁ MATO GROSSO BRASIL